quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

EÇA DE QUEIROZ SEMPRE

EÇA DE QUEIROZ, SEMPRE

Dário Moreira de Castro Alves (*)

Desde de 1911, data da primeiríssima biografia de Eça de Queiroz, escrita por um brasileiro, não se tem cessado de escrever sobre o grande romancista português, o auto-denominado “pobre homem da Póvoa de Varzim”, que é Eça de Queiroz.
Diz o arquitecto Alfredo Campos Matos que para não poucos é o maior dos queirozianos de sempre, que as celebrações do centenário da morte de Eça de Queiroz, em agosto de 2000, gerou uma profusão de colóquios, exposições, estudos e edições da sua obra, à semelhança do que acontecera em 1945, por altura da evocação do centenário do nascimento. Acaba ele de lançar em Lisboa, ao público português, um livro em que, em apenas pouco mais de uma centena de páginas, faz um resumo crítico de sete biografias de Eça de Queiroz. O Brasil foi pioneiro nos estudos queirozianos, pois Miguel Melo, natural de Porto Alegre, onde nasceu em 1877, publicou a primeira biografia de Eça de Queiroz em 1911, época em que grande parte da obra queiroziana era ainda desconhecida por não impressa. Era o caso de Últimas Páginas, Correspondência, Alves & Cª, O Conde de Abranhos, A Catástrofe, A Capital, O Egipto, Cartas Inéditas de Fradique Mendes, Mais Páginas Esquecidas, e outras. Parece incrível que uma obra da importância de A Capital tenha ficado inédita 47 anos pois, escrita em 1878, somente veio à luz em 1925. Miguel Melo considerou O Primo Basílio o trabalho mais “perfeito e inatacável”, de uma “lógica sem defeito”, não fazendo menção às fortes críticas formuladas por Machado de Assis a Eça de Queiroz àquele romance.
Também é exaltado O Crime do Padre Amaro por apresentar uma “unidade superior”. A Ilustre Casa de Ramires é um símbolo da verdade histórica explicitamente criticada que, dizia Melo, era a “decadência geral portuguesa”. Quanto a contos, o autor alista como exemplos incomparáveis na língua portuguesa O Defunto, José Matias, A Perfeição. Ao estudo biográfico propriamente dito, é de importância especial a carta a Miguel Melo do filho de Eça de Queiroz, José Maria, que nos seus 22 anos responde às questões que, em correspondência, Miguel Melo, que nunca esteve em Portugal, então lhe apresentara. Esse documento é das primeiras provas testemunhais sobre Eça publicadas por um familiar depois da sua morte. Entre as revelações está a de que José Maria se espantara quando ao chegar a Portugal, depois da morte do pai em 1900, ouvia por toda parte louvor ao seu talento. Não sabia da fama do pai.
Somente cinco anos depois que Miguel Melo pioneiramente publicou sua biografia de Eça é que surgiu a primeira biografia queiroziana por um português, o Conselheiro António Cabral. Por aquela época, 1916, muita coisa continuava a ser ainda ignorada sobre a vida do escritor. Recolheu testemunhas valiosas e não poucas cartas inéditas de Eça a figuras como o conde de Arnoso, o visconde de Pindela, o conde de Sabugosa, Oliveira Martins e também Eugénio de Castro e António Enes. A biografia de António Cabral foi a primeira a carrear uma vasta matéria informativa, como é o caso do “nascimento ilegítimo” do escritor e da discussão entre Póvoa do Varzim e Vila do Conde acerca do local do seu nascimento.
A primeira edição da biografia escrita por Viana Moog, intitulada Eça e o Século XIX, é datada de 1938, 22 anos depois da obra de António Cabral. Sem dúvida essa biografia insere Eça e sua obra no grande painel de todo o século XIX. O romancista Viana Moog sempre “sofreu” grande apego pela figura de Eça de Queiroz, apego que se constituía numa obsessão, um “fantasma de cabeceira”. O escrever aquela obra foi como que uma forma de “desembuchar” algo que estava em suas entranhas. Viana Moog fez, ainda que breves, incursões freudianas, em função do que define como a “bastardia” de Eça. Nessas incursões, Moog se pergunta se “a sua alarmante antipatia contra todas as mulheres não seria uma consequência do sentimento de revolta contra a mulher que o gerou”.
A grande obra de João Gaspar Simões, intitulada inicialmente “Eça de Queiroz – O Homem e o Artista”, “monumental” no dizer de Campos Matos, foi escrita para o centenário do nascimento do romancista, em 1945, com edições revistas em 1972 e, depois, em 1980, então com o título Vida e Obra de Eça de Queiroz. Campos Matos diz que esse livro é uma “referência inevitável”, não obstante o que contém de controverso. Considera ainda que Gaspar Simões abusa de apressadas conclusões de teor freudiano.
Luís Viana Filho editou pela primeira vez A Vida de Eça de Queiroz, no Porto, pela Lello, em 1983, e no Brasil, em 1984. Escreveu Viana Filho como um verdadeiro profissional de biografias que é. Fundamentalmente é um biógrafo–historiador que se lançou à vasta tarefa de produzir uma biografia de Eça que prima no género pela maestria com que compõe sua trajectória essencial.
José Calvet Magalhães, diplomata português aposentado, brilhante escritor de temas históricos e literários, editou, em 1994, biografia de Eça intitulada José Maria, a vida privada de um grande escritor, já em sua quarta edição. É leitura amena, “razoavelmente cordata”. Insiste Campos Matos em louvar nessa biografia o sentimento ameno de sua leitura. O autor das sete biografias contesta certas afirmações do Embaixador Calvet em vários pontos. A aceitação da obra pelo público é um facto que se considera muito relevante. A última biografia apresentada por Campos Matos foi lançada com êxito em 2001 pela historiadora, periodista e investigadora que é Maria Filomena Mónica. A obra, tão recente, já está em quarta edição, o que denota também sem dúvida, grande aceitação pelo público. Campos Matos diz que tirou proveito da leitura dessa biografia, em parte como resultado da turbulência que provocam certos de seus textos controversos.
Todas as biografias referidas, diz Campos Matos, são projectos audaciosos que contribuíram, cada uma delas à sua maneira, para prolongar a memória de um dos mais biografados escritores da língua portuguesa.



(*) Sócio brasileiro da Academia das Ciências de Lisboa

Sem comentários:

Enviar um comentário